sábado, 6 de abril de 2013

Jornal ‘O Progresso’ acompanha rotina do Pronto-Socorro





O Pronto-Socorro Municipal “Erasmo Peixoto” é, atualmente, um dos serviços públicos mais exigidos na cidade. O ambulatório, que deveria atender apenas casos de urgência e emergência, recebe praticamente todos os tipos de demanda médica, gerando queixas dos dois lados do balcão.
Construída em 2003, a unidade teve crescimento acelerado de procura ao longo dos anos. Atualmente, o número de pessoas que vão ao pronto-socorro é quase três vezes maior que o esperado. Os casos menos graves - a maioria absoluta - não são prioritários e demoram mais para serem averiguados.
As inevitáveis filas e o tempo de espera para as consultas são motivos de constantes reclamações. No entanto, o que é identificado como exagero pelos usuários está dentro dos limites preconizados pelo SUS (Sistema Único de Saúde).
A divergência entre o tempo “aceitável” de espera por uma consulta já gerou impasse entre pacientes e funcionários do ambulatório. Estes últimos alegam que a busca pelo socorro rápido faz com que alguns usuários desrespeitem e, até, “ameacem” os profissionais.
As discussões em torno do pronto-socorro chegaram à Câmara Municipal, onde já houve registros de desentendimentos e supostas agressões no plantão policial. Por conta da repercussão, a direção do “Erasmo Peixoto” convidou a reportagem de O Progresso para conhecer a rotina do ambulatório.
No dia 21 de março, uma quinta-feira, a reportagem passou quase cinco horas acompanhando os trabalhos no pronto-socorro.
Entre as 10h e 15h, foram ouvidos pacientes, funcionários e diretores, além de visitas aos setores da unidade e acompanhamento de uma hora e meia na sala de triagem, o ponto mais importante da organização do atendimento.
Na triagem, os pacientes já atendidos pela recepção passam por uma pré-consulta, na qual é avaliada a gravidade do caso. O SUS determina que seja utilizado um sistema de cores para definir o nível de urgência de cada caso e, por consequência, a prioridade na fila de espera.
Os casos mais graves ou de risco elevado são classificados com a cor vermelha e devem ser atendidos imediatamente. Na maioria das vezes, esses pacientes nem passam pela triagem, já que chegam ao pronto-socorro transportados em ambulâncias ou unidades de resgate.
Nos 90 minutos em que a reportagem ficou na sala de triagem, houve 23 atendimentos. Destes, apenas um recebeu a classificação vermelha – caso de um homem que havia caído, sofrendo deslocamento de ombro e corte em uma das mãos.
No período de acompanhamento, a triagem registrou, ainda, cinco casos com classificação amarela, que significa urgência. Para situações deste tipo, o SUS preconiza atendimento em no máximo 20 minutos.
Entre os cinco atendimentos, havia um caso de pressão alta; uma gestante com sangramento; uma vítima de dengue (moradora de Cerquilho), também com sangramento; uma criança com taquicardia; e uma idosa com dores no peito – ela havia passado por uma cirurgia no coração 28 dias antes.
Os demais atendimentos realizados pelo setor de triagem receberam a classificação verde. Entre eles, dores corporais, pressão arterial alterada, inflamação de garganta, pequenos ferimentos, reações alérgicas e um caso de vazamento em uma sonda urinária.
Um dos casos classificados com cor verde recebeu acompanhamento integral da reportagem. Mão e filha entraram no saguão do pronto-socorro às 11h33.
A menina apresentava ferimento em um dos dedos da mão. Às 12h07, elas passaram pela sala de triagem e, às 12h23, teve início a consulta médica.
O atendimento terminou em cinco minutos. Da chegada no ambulatório até o início da consulta, passaram-se 50 minutos. O tempo está dentro do limite de até duas horas de espera estipulado pelo SUS para os casos “verdes”. No entanto, a mãe da paciente não concordou.
Consultada pela reportagem, ela disse que considerou o tempo de espera “alto demais”. “Acho que esse tempo na fila deveria ser mais baixo”, afirmou.
Dos casos menos graves aos mais urgentes, o pronto-socorro trabalha com a premissa de “não negar atendimento a ninguém”. No entanto, há entendimento de que a maioria dos pacientes poderia ter recebido atendimento em outro lugar.
“Aqui, a gente pode tirar a sua dor, mas você precisar ir até uma UBS (unidade básica de saúde) para tratar as causas dessa dor”, é uma das frases mais pronunciadas no setor de triagem.
Em alguns casos, as próprias enfermeiras do pronto-socorro telefonam para os postos de saúde e encarregam-se de agendar consulta.
O excesso de pacientes sem problemas urgentes é considerado a principal causa da demora no atendimento do pronto-socorro.
Estudo realizado pela direção aponta que, dos 128,5 mil atendimentos registrados no PS em 2012, cerca de 83% não eram de urgência e emergência e poderiam ter sido realizados em postos de saúde.
No acompanhamento do dia 21, a reportagem chegou a presenciar um pedido de consulta por problemas de visão. A idosa recebeu atendimento, mas foi encaminhada ao posto de saúde do bairro dela.
“É um caso eletivo, que não envolve nenhum risco de vida. Precisa procurar um posto de saúde para ser encaminhado. Como em quase todas as cidades, há falta de especialistas, pode haver demora para agendar. Então, esses pacientes tentam passar aqui, direto, para serem atendidos mais rápido”, comentou a médica Paula Ribeiro, que realizou plantão na manhã de dia 21.

Lotação

O responsável técnico-médico do pronto-socorro, cardiologista Wladmir Faustino Saporito, reconheceu que a média de atendimentos registrada pela reportagem na sala de triagem (23 em 90 minutos) esteve abaixo do normal. “Hoje, estamos tendo um dia tranquilo”, comentou.
Segundo ele, com aproximadamente 11 mil consultas mensais, a única unidade de urgência e emergência do município está atendendo mais do que deveria.
“O Ministério da Saúde preconiza uma média de 0,3 consulta de urgência por habitante ao ano. Isso significa que, no pronto-socorro de Tatuí, deveríamos atender em torno de 33 mil pessoas a cada ano, e não mais de 120 mil, como aconteceu em 2012”, afirmou.
Saporito disse que boa parte de população tem o pronto-socorro como principal referência para qualquer problema de saúde. Essa seria a explicação para o grande número de pacientes classificados com a cor verde na sala de triagem.
“Tem gente que vem ao pronto-socorro subsequentemente, várias vezes dentro de um intervalo curto. Alguns estão certos: foram medicados e voltaram porque não tiveram melhora. Mas, outros não têm razão: eles vêm porque acham que aqui é mais fácil. Essa é a causa da superlotação”, observou.
As consultas por pressão arterial alterada, um dos tipos mais comuns na unidade local, segundo o profissional, apontam uma das “falhas crônicas” no sistema de atendimento.
“O paciente vem aqui com crise de pressão alta. O nosso médico trata e libera. Teria que haver tratamento completo na UBS, porque, do contrário, esse paciente vai voltar aqui”.

Tensão

Independente da gravidade dos problemas que levam os pacientes ao pronto-socorro, dificilmente algum deles são entendidos em situação que não seja de urgência. Nesse sentido, ao se deparar com um ambulatório lotado, é fácil que o resultado seja o desespero.
O diretor diz que a imagem do saguão lotado pode ser enganosa. Segundo ele, muitas pessoas que estão no local não são pacientes.
Enquanto esteve no pronto-socorro, a reportagem chegou a contabilizar 27 pessoas na sala de entrada. Naquele momento, a recepção estava com apenas sete fichas de pacientes.
Assim, a imagem do saguão lotado, combinada à pressa por atendimento, são fatores que levariam alguns pacientes ao desentendimento com os funcionários.
“Todo mundo acha que a sua situação é a mais importante. Além disso, uma pessoa que está com um problema de saúde tende a ficar mais instável emocionalmente. Então, tem sempre aqueles que querem invadir e brigar. Infelizmente, isso é inerente de um lugar em que se lida com muita gente”, disse Saporito.
A enfermeira responsável pelo pronto-socorro, Roberta Molonha Machado, afirma que a “falta de respeito com os profissionais é constante”. “Posso relatar casos dos últimos três dias”, garantiu.
A profissional relatou alguns desentendimentos que teriam ocorrido recentemente. Um deles teria envolvido um alcoólatra que já seria conhecido de todos no ambulatório. Conforme Roberta, ele costuma buscar atendimento até três vezes por dia.
“Ele bebe e cai na rua. Os pedestres chamam o resgate, que recolhe e traz para cá. Ele chega aqui, fica meia hora sendo medicado e vai embora. Depois de algumas horas, volta a beber e cai de novo. O resgate vai trazê-lo de novo. Assim, ele já sabe o nome de todas as nossas enfermeiras”, relatou.
Um desentendimento envolvendo o alcoólatra e outro paciente teria ocorrido em um dia de grande lotação no ambulatório. O primeiro teria recebido a medicação e aguardava a chegada de guardas municipais, que o transportariam para casa.
“Como o setor de observação estava muito cheio, eu pedi para que as enfermeiras o colocassem na recepção. O problema é que, quando bebe, ele fica falando para todo mundo que vai enfartar. Por isso, um homem gritou com a enfermeira, dizendo era um absurdo deixar um paciente ali”, contou a enfermeira responsável.
Outro princípio de briga teria ocorrido com um idoso que, semanalmente, precisa trocar os curativos de um ferimento. O paciente teria sido informado de que aquele procedimento deve ser realizado em uma UBS. “Ele me pegou pelo braço e faltou só me bater”, disse Roberta.
Outro paciente teria procurado o ambulatório e exigido internação hospitalar. No entanto, o médico teria avaliado que o procedimento não seria necessário. Em seguida, o paciente teria insistido com uma auxiliar de enfermagem que lhe aplicava medicamentos.
“A auxiliar disse que não poderia responder pelo médico e que só deveria seguir o que estava recomendado. Ele ficou muito irritado, e precisamos pedir ajuda de guardas municipais”, contou a enfermeira. “Tratam-se de condutas médicas que muitos pacientes não entendem”, acrescentou.
                                                                                      Oprogressodetatui.com.br

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