Falta de patrocínio, dificuldade em equilibrar as contas e de criar uma infraestrutura própria. Os desafios aos quais um projeto social está sujeito são muitos. O “Senna em Ação”, nascido “Projeto Alpha” por obra do acaso e da determinação de dois profissionais apaixonados pelo ofício do ensino, venceu todos eles – e um pouco mais.
Aos 25 anos, a serem completados neste mês de março, ele tem o reconhecimento do poder público, da sociedade e da família do esportista patrono do Nebam (Núcleo de Educação Básica Municipal), o piloto Ayrton Senna da Silva.
O “Senna em Ação” teve início em 1987, com o nome de Projeto Alpha e conceito de unir o social ao educacional (fornecer alimentação e estudo complementar a crianças de famílias de baixa renda, somando atividades esportivas).
A ideia de montá-lo foi de Francisco Antônio Fernandes, o Quincas, atualmente vereador e que, em 1986, atuava como técnico de atletismo. “Eu coordenava uma equipe da Prefeitura, com atletas bons”, lembrou. “O projeto surgiu até a partir de um fato curioso”, comentou o professor.
Durante um dos treinamentos da equipe, às vésperas dos Jogos Regionais, Acassil José de Oliveira Camargo, que assistia aos exercícios, pediu para “brincar” com um peso. “Brincando, ali, ele tropeçou e caiu. Levantou, daquele jeito dele, dando risada, e me disse que aquilo era coisa para criança”, descreveu Quincas.
O comentário fez com que o então técnico tivesse a ideia de implantar um projeto de incentivo ao esporte voltado a crianças. “Na hora, eu falei para ele: ‘Se o senhor quiser, me der apoio, eu monto algo aqui para que possamos aproveitar esse espaço’”, recordou Quincas, que, atualmente, é diretor do Nebam, escola surgida em função do projeto. Acassil, fundador da Asseta (Associação de Ensino Tatuiense) e um dos principais parceiros do município, aceitou a proposta. O educador, na ocasião, patrocinava o ciclismo tatuiano.
De informal, o assunto passou a formal no final de 86, quando Quincas concluiu a proposta. O nome Projeto Alpha foi dado por Acassil. “Ele me disse que daríamos este nome porque se tratava da primeira letra do alfabeto grego. É o princípio, a letra que simboliza o início de um trabalho de educação”, disse o idealizador da iniciativa.
O projeto, que, com o passar dos anos mudou de nome (já chamou “Ayrton Senna da Silva” e, atualmente, é conhecido como “Senna em Ação”), foi “abraçado” pela Prefeitura em 1987. Em março daquele ano, a primeira turma, com 500 alunos, começou.
A iniciativa viabilizou-se por meio de convênio entre a Asseta e a administração municipal. Os primeiros ensinamentos aconteceram no prédio da associação. “Iniciou-se lá, porque aqui (na área ao lado do Nebam), naquela época, funcionava a Ciretran (Circunscrição Regional de Trânsito”, explicou Quincas.
Desde o primeiro ano de atividade, o projeto mantém a mesma estrutura de atendimento. As poucas mudanças se restringiram ao nome e à área na qual ele era realizado. Da Asseta, o então Projeto Alpha passou para a área ao lado do Ginásio Municipal de Esportes “Araão Donizete Guerra”, na vila Primavera, a alguns metros de distância da sede da extinta associação. “Nós o criamos em cima da estrutura que tínhamos, com base nas salas que existiam, mas tudo continua sendo feito como era no princípio”, falou Quincas.
Neste “tudo”, inclui-se o fornecimento de alimentação e de transporte para os alunos que frequentam as atividades. As aulas – na verdade, oficinas de artes, de iniciação musical e de esportes – são realizadas também nos mesmos moldes, em dois períodos: manhã e tarde. O “Senna em Ação” continua a fornecer, para seus alunos, atendimento dentário e cuidados em enfermaria.
Dezenove anos depois de ter sido iniciado, o projeto passou a ser vinculado à Secretaria Municipal da Educação por conta de uma “necessidade”. No ano de 2006, o TC (Tribunal de Contas) do Estado de São Paulo recomendou à Prefeitura que o incluísse na Educação. Até então, o já “Ayrton Senna da Silva” era da Prefeitura, mas não tinha um vínculo ao setor educacional.
“Até que isto acontecesse, e mesmo estando de certo modo não totalmente legalizado, o projeto funcionou dando um retorno positivo à sociedade. Até por isto que ninguém teve coragem de interrompê-lo”, afirmou Quincas.
Foi então que a Prefeitura decidiu-se pela construção da escola do Nebam, inaugurada no dia 7 de setembro de 2009, com participação de familiares do piloto que dá nome à unidade de ensino. O núcleo tem dois espaços, um ocupado pela escola e outro, pelo projeto “Senna em Ação”, que utiliza o mesmo formato de 1987.
O objetivo é fornecer ensino alternativo ou complementar. “Nunca estivemos vinculados à obrigatoriedade de uma grade curricular”, afirmou o professor. Por este motivo, as atividades (pintura, marcenaria e outras) são consideradas livres, ainda que respeitem um cronograma.
Além do espaço físico e dos nomes, o projeto registrou, com o passar do tempo, inúmeras e significativas alterações. Uma das mais importantes diz respeito aos professores que lecionam nas oficinas.
No princípio, eles eram cedidos pelo extinto Profic (Programa de Fomento e Incentivo à Cultura). “Era um programa do governo que nos ‘emprestava’ os docentes para este tipo de trabalho”, contou o diretor do Nebam. Com o término do programa, o município passou a designar o corpo docente. “Quando o Profic terminou, a Prefeitura começou a nos apoiar nesta área, como acontece até hoje”, falou Quincas.
ATENDIMENTO
A experiência bem-sucedida com o projeto fez com que a direção do “Senna em Ação” mantivesse e, com isto, aperfeiçoasse alguns pontos. O principal diz respeito à seleção das crianças que participam da iniciativa.
Os pais que querem matricular seus filhos no projeto devem, obrigatoriamente, comprovar que trabalham. “Nós enxergamos este critério como uma necessidade, porque visamos ajudar a mãe que vai trabalhar e não tem com quem deixar a criança”, disse Quincas.
O projeto atende crianças do 1o ao 5o ano do ensino fundamental (primeiro ciclo). “Quem está no 5o ano do projeto, já ganha direito de entrar no 6o ano aqui (no Nebam)”, afirmou o diretor da escola. O núcleo atende alunos do segundo ciclo do ensino fundamental, que compreende do 6o ao 9o ano. “A matrícula para o 6o ano, para quem está conosco no 5o, é automática”, falou Quincas.
As oficinas ficam a cargo de 16 professores, que se dividem em oito salas, ocupadas no período da manhã e tarde. Cada sala tem, em média, 35 alunos. Já o prédio do Nebam conta com 16 salas, ocupadas por alunos que cursam, em período integral, do 6º ao 7º ano. O ensino do 8º e 9º acontece em meio período. Para os alunos dos dois últimos anos do ensino fundamental, o Nebam oferece a possibilidade de atividades extracurriculares em período diverso do ensino, por meio do programa “Primeiro Passo”.
Quem o frequenta, tem aulas na Fatec (Faculdade de Tecnologia) “Professor Wilson Roberto Ribeiro de Camargo”, Etec (Escola Técnica) “Salles Gomes” e na Casa Unimed. São oficinas e cursos preparatórios para vestibular.
A iniciativa, segundo Quincas, também é fruto do reconhecimento da importância do “Senna em Ação” pela sociedade. “Tudo isto é um processo. Não é da noite para o dia, porque é fácil até criar, construir uma coisa, mas manter – e com esta estrutura – é complicado”, comentou.
Quincas também disse que o projeto, com o passar dos anos, conquistou um prêmio sem precedente: o reconhecimento da família do piloto. Senna, que morreu aos 34 anos, tinha uma ligação com Tatuí: ele adquiriu na cidade uma fazenda, a qual frequentava com parentes.
“A família nos disse, na época da inauguração do Nebam, que sentia muito orgulho de ver a imagem dele, de vencedor, sendo perpetuada”, destacou o diretor. Imagem que o projeto e o Nebam fazem questão de incorporar ao cotidiano dos alunos que devem comemorar os 25 anos de funcionamento do projeto no Dia do Patrono, a ser celebrado em maio. “Vamos conjugar os eventos”, disse Quincas.