sábado, 10 de março de 2012

Educação ‘vira o jogo’ com capacitações


A chegada dos laboratórios de informática, o primeiro passo na inclusão da tecnologia junto às escolas da rede municipal, não incomodou, num primeiro momento, quem estava acostumado a lecionar somente pelo método tradicional. Os professores, coordenadores e demais profissionais da Educação que formam a rede gerenciada pelo município não rejeitaram “de cara” a proposta, mas ofereceram certa resistência em relação a adicionar, aos livros didáticos, recursos multimídia (áudio, vídeo, slides e etc).
Conforme explicou Maria Amélia Dalmatti Lima, coordenadora da Dape (Divisão de Aperfeiçoamento e Pesquisa Educacional), para “quebrar o gelo” entre os profissionais e facilitar o uso dos equipamentos, a secretaria passou a investir em capacitações. Massificou o uso dos dispositivos a ponto de criar uma unidade especializada no treinamento dos educadores. Atualmente, a capacitação é disponibilizada para os veteranos e novatos – alguns dos professores, coordenadores e pedagogos são nomeados para ocupar vagas na secretaria que vão abrindo com a exoneração ou a aposentadoria de outros.
As novas turmas de profissionais da Educação passam pelo mesmo treinamento que as primeiras (com a diferença de que o método de capacitação se aperfeiçoou). “Vamos até as escolas, pegamos um grupo de professores e trabalhamos, com ele, de forma a ensiná-lo como operar os equipamentos”, disse Maria Amélia.
Os treinamentos são específicos para cada tipo de dispositivo tecnológico. Atenção especial é dada à lousa digital, implantada primeiro pela rede municipal de ensino.
“Aqui, em Tatuí, não temos registros de escolas particulares que fizeram uso de lousas digitais antes de nós”, comentou Leonardo de Moraes, coordenador da equipe de informática e desenvolvimento, da pasta municipal.
Conforme ele, as Emefs não só foram pioneiras na introdução deste dispositivo tecnológico nas salas de aula do município, mas também da região. “Até então, só colégios particulares e fora da nossa região dispunham de lousas digitais”, citou. São equipamentos que, no contexto da Educação, levam o ensino municipal – e público – a níveis de instituições particulares.
As orientações são feitas de maneira distinta, o que facilitou o “convencimento” dos educadores – alguns deles relutaram em agregar recursos multimídia ao planejamento de aulas. Os com formação específica para ensino ganharam instruções de como operar não só computadores e os programas, mas também as lousas digitais. Os com formação técnica receberam instruções de como repassar o conteúdo de forma didática.
O trabalho é realizado com os mais de 600 professores da rede municipal de ensino. Destes, 18 lecionam informática e participam, com os demais, de encontro mensal no qual são feitos os chamados “ajustes”.
“Nós passamos para eles a parte pedagógica, e também todo o currículo e a programação do nosso planejamento com conteúdos para serem agregados no trabalho que é feito em conjunto com a informática”, comentou Maria Amélia.
A ação envolve todos os “agentes de educação” que fazem uso dos equipamentos tecnológicos. Na prática, quase todos os funcionários da Educação estão envolvidos – direta ou indiretamente – neste trabalho, uma vez que todas as Emefs possuem laboratório de informática e, pelo menos, uma lousa digital. “Os laboratórios estão presentes até mesmo na zona rural”, disse Maria Amélia. Algumas destas unidades também trabalham com outro projeto ligado à tecnologia: o “Lego Education”.
Trata-se de programa educacional que envolve a aplicação e o ensino dos princípios da robótica na grade curricular de ensino. Em Tatuí, o “Lego Education” envolve os alunos do primeiro e do segundo ciclo do ensino fundamental. As propostas de aplicação dos conhecimentos, conforme explicou Juliana de Farias Fazzane, uma das coordenadoras da Dape, são diferentes e variam conforme o ano do ensino.
O “Lego Education” atende, no município, alunos do 6o ao 9o ano do fundamental. A previsão é de que o programa, ainda neste ano, viabilize parceria junto à Fatec (Faculdade de Tecnologia) “Professor Wilson Roberto Ribeiro de Camargo” para aulas de robótica. A ação é considerada um avanço e fruto da interação entre a pasta municipal e a unidade de ensino (a única gratuita do município) por ocasião do “Simpósio de Tecnologia”, realizado em outubro do ano passado.
Trata-se de “um passo a mais” no sentido de ampliar o uso da informática como ferramenta de ensino. A inclusão ao chamado “mundo digital”, que à primeira vista teve repercussão no meio acadêmico local não tão positiva (mais por conta da novidade do que por um possível prejuízo no aprendizado), é algo inevitável, para Maria Amélia. “O que nós fizemos foi adiantar o processo”, disse ela.
O princípio da alfabetização digital, na cidade, ganhou novos contextos. Além de apenas incluir ou ensinar o usuário a interagir de maneira positiva com os instrumentos tecnológicos, o processo representa, para a coordenadora da Dape, uma inclusão do professor no mundo do aluno. “Sinceramente, acho que a alfabetização digital é oferecer ao professor a oportunidade de trabalhar com tecnologias para acompanhar a realidade do aluno”, falou.
O perfil dos estudantes, conforme avaliou a pedagoga, que tem 47 anos de serviços prestados à Educação, mudou. “Os alunos de hoje, mesmo os de escola pública, têm acesso à informática. A informática é uma necessidade. Nós dizemos alfabetização digital, mas eles (os estudantes) já nasceram nesta realidade”, citou a profissional. O município, ao investir nesse viés, segundo ela, apenas antecipou um processo inevitável.
Sendo a formação do aluno mais rápida (no sentido do aprendizado da informática e no uso das tecnologias), a dos professores teria de “correr no mesmo sentido”. A partir deste pensamento, os profissionais da Dape criaram mecanismos que incentivaram e estimularam os professores a também fazer uso dos equipamentos como ferramentas.
“Os neurônios das crianças já são formados assim (a partir da interação com os meios eletrônicos), diferentemente do nosso (dos professores), que éramos do tempo da lousa com giz e só. Então, estamos aprendendo a trabalhar com esse aluno, na realidade dele”, disse.
Para formular a interação que permitisse ao professor mais intimidade com as máquinas (neste caso, as lousas digitais) e fazer com que eles a utilizassem da melhor maneira possível, a secretaria teve de “partir do zero”. Não havia, até então, referências de como este trabalho pudesse ser feito.
Toda a formatação do projeto de tecnologia educacional (o que inclui capacitação dos professores e criação das aulas interativas) esteve a cargo da Divisão de Aperfeiçoamento e Pesquisa Educacional, uma espécie de “quartel general” da Educação municipal.
É de lá que saem os projetos ou os embriões deles que dão toda a sustentação para a ação que atualmente é referenciada. “Muitas cidades da nossa região vêm buscar informações conosco”, disse Maria Amélia. Dentre elas, a vizinha Cesário Lange. “As prefeituras nos procuram para saber como foi a nossa experiência”, citou a coordenadora.
A experiência de Tatuí, inédita na região e no interior do Estado de São Paulo, teve reprodução até mesmo na USP (Universidade de São Paulo), segundo Maria Amélia. Os resultados são compartilhados em eventos ligados à Educação, como congressos regionais e estaduais, e pelos professores.
A visão dos educadores, aliás, com relação aos meios tecnológicos mudou. “Nós temos, assim como em todo lugar, professores que têm mais facilidade e outros que têm dificuldades em lidar com os equipamentos tecnológicos. Mas, a questão da resistência foi outra”, disse Maria Amélia.
Como a tecnologia não é “nativa” para a maioria dos professores, o domínio dela tende a exigir mais do educador que do aluno. “Na verdade, o educador tinha receio de que o estudante soubesse mais do que ele”, citou a coordenadora da Dape. Como os professores precisam de tempo para se adaptar, aprender e até conseguir dominar a linguagem da informática, o comportamento deles foi considerado natural, tendo mudado com o passar do tempo e com as capacitações.
Tanto é verdade que todo o conteúdo das reuniões feitas pela Dape com os profissionais é repassado por meio das lousas digitais. “Nós a utilizamos em todas as nossas reuniões de formação”, disse a coordenadora.
A iniciativa visa aprimorar o uso do equipamento – que está disponível em todas as Emefs (escolas municipais de ensino fundamental) da cidade. “É um trabalho desafiador, sem precedentes, mas que atrai cada vez mais o educador”, falou.
O receio do professor, por conta de não dominar o equipamento, segundo Maria Amélia, tem dado lugar ao entusiasmo. “Eles estão seduzidos pelas novas informações. Já é da personalidade do educador essa ânsia pelas coisas novas. Acho que nós só demos uma ajuda para eles”, adicionou ela. Até que esse “convencimento” se tornasse realidade, a Dape teve de passar por muitas mudanças. “Acho que nós não tínhamos noção de que seria um desafio tão grande”, afirmou Maria Amélia. Obstáculo que a equipe de informatização ajudou a derrubar, com apoio, em um segundo momento, dos educadores.
O corpo docente do município, atualmente, é responsável por grande parte do sucesso do uso das lousas digitais e do projeto “Lego Education”. Conforme a secretária municipal da Educação, professora Marisa Aparecida Mendes Fiúsa Kodaira, quando o professor dedica parte do tempo particular para pesquisar o que e quais tipos de recursos (multimídia) utilizar, ele passa a ter domínio sobre o tema. “Para nós, é muito bom, porque o professor vai lecionar de um modo diferente”, destacou.
Por conta das inúmeras possibilidades, as aulas ministradas nas salas nas quais funcionam as lousas digitais (chamadas de interativas) tornam-se, segundo a secretária, muito mais dinâmicas. Segundo ela, todos os alunos do município, entre os do ensino fundamental e infantil (que ultrapassam 11 mil), fazem uso dos recursos. As unidades que não contam com lousas fixas recebem as “móveis”, equipamentos que, atualmente, estão “incorporados” pelos educadores.
O mesmo acontece com o “Lego Education”, utilizado em diversas disciplinas e descrito por professores como “inovador”. Os depoimentos coletados pela Dape – que editou um vídeo de divulgação do projeto – incluem o da professora Joceli Mascarenhas Moraes Rodrigues, da Emef “Teresinha Vieira de Camargo Barros”. “A aula Lego é muito importante, porque envolve muitas disciplinas”, comentou.
As atividades desenvolvidas por meio do “Lego Education” também estimulam o trabalho em grupo. “O comportamento dos alunos melhora muito. Num primeiro momento, eles ficam muito ansiosos. Depois, com o passar do tempo, vão se cobrando como uma equipe”, descreve Joceli, no vídeo.
Quer seja estimulado pelo “Lego Education”, quer seja pela lousa digital, o aluno tatuiano, na visão da coordenadora da Dape, produz muito mais quando trabalha com tecnologia. “Isto acontece porque o professor está falando a língua deles. Falando de algo que eles conhecem, que entendem e que gostam. Aí, saímos da monotonia daquela aula que só trazia o professor na frente da lousa, falando e falando. Só ele era o dono da verdade. Hoje, não. Hoje, existe uma troca possibilitada pela informática”, avaliou Maria Amélia.
A internet, com todas as suas potencialidades, também está inserida no cotidiano do alunado do município. O “www”, como iniciador de pesquisas, é trabalhado de modo a auxiliar o ensino de maneira positiva. “Nós precisamos ajudá-los (os estudantes) a desenvolver uma maneira de utilizar a internet como uma coisa útil para a vida e a formação deles”, disse a coordenadora.
O cuidado com o uso da “ampla teia mundial” – significado do termo em inglês “world wide web”, que inicia um endereço eletrônico na internet – está presente em todos os momentos que envolvem o ensino no município. “Nosso trabalho é mostrar que ela (a internet) contribuiu para o crescimento dos alunos, mas que é preciso ter critérios para que o diálogo educacional seja interessante”, citou Maria Amélia. Instruções que se iniciam, primeiro, com os professores que utilizam conteúdos multimídias nas lousas digitais.
Passada a resistência inicial, as capacitações são, para a coordenadora da Dape, muito mais complementação que orientação. “Todo professor, hoje, já tem acesso às tecnologias, seja pelo computador, ou pelo celular pessoal (os chamados “smartphones”). Os educadores já usam isso pessoalmente. O que nós estamos fazendo é ajudando-os a utilizar essas ferramentas para estudo e trabalho”, descreveu.
Ao inserir o conteúdo desta maneira – no sentido de mostrar que a tecnologia já está presente no cotidiano dos educadores –, a secretaria conseguiu a adesão de muitos deles e em “diversas frentes”. O principal argumento incentivador foi a comunicação, que inclui o uso de e-mails e redes sociais. “O professor vai se apropriando disto, de toda essa tecnologia, e tem a capacidade de trabalhar isto na escola”, disse Maria Amélia.
Ainda que inédito e sem precedentes, o projeto do município não tem pretensões de reescrever o modo com que a Educação gera resultados. Nem por isto, novas mudanças deixam de ser cogitadas. A caligrafia, por exemplo, que já teve aula específica com uso de cadernos, pode vir a ser revista, segundo previsões da coordenadora pedagógica da Dape. “Ela ainda é usada, mas não sei por quanto tempo. Afinal de contas, é preciso entender que existe uma nova forma de se comunicar, de escrever, que é a comunicação digital e online”, falou.
Neste contexto, Maria Amélia destaca que é importante haver harmonia entre o tradicional e o tecnológico. “Um não deve se contrapor ao outro”, comentou. É por esta razão que, nas aulas de informática, por exemplo, os alunos aprendem a utilizar não só raciocínio lógico, mas a aprimorar a língua portuguesa. Todas as aulas de digitação incluem revisão e redação. “Quando o aluno estiver teclando, ele tem que usar toda aquela forma de escrever. Aí, entra a concordância e tudo o mais”, argumentou.
Este é o formato que o município tem encontrado, de uma maneira simplificada, de conseguir prender a atenção do alunado e tornar a experiência tecnológica mais rica do que realmente ela é. “O professor é orientado a trabalhar de uma maneira mais descontraída, o que eu acho que até facilitou o ensino”, destacou Maria Amélia.
O uso da informática, das lousas digitais e do “Lego Education”, desta forma, representou um diferencial no ensino local, o que resultou em melhoria dos índices de ensino, como o Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica), do governo federal.
O município atingiu, em 2010, crescimento de 5 para 5,2, acima da média nacional, que, naquele ano, foi de 4,6. Os números representam, na base teórica, o trabalho feito de maneira empírica e iniciado em 2006. De lá para cá, o ensino tatuiano registrou salto não só na infraestrutura (com os laboratórios dotados de computadores, as lousas digitais e os kits do projeto “Lego Education”), mas de qualidade. Tanto é que as aulas incluíram outras formas de ensino, como digitação de redação – além da produzida em caderno – e pronúncia de palavras em língua estrangeira (inglês e espanhol).
“Esse trabalho quem desenvolve é o próprio professor. Depende de cada um deles e da política da escola, o uso dos equipamentos e a maximização dos recursos deles”, disse Maria Amélia. A utilização dos novos mecanismos produz uma nova forma de interação entre os discentes e os docentes, tema da terceira reportagem da série especial produzida por O Progresso. A reportagem a ser publicada no próximo domingo, 18, vai explorar um pouco mais o “mundo da lousa digital”, descrevendo como ocorre o novo processo de aprendizado, mais tecnológico e interativo e menos monótono.

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